No texto “Oriente/Ocidente” (1993), Grotowski critica a divisão do Mundo em duas partes: ‘Ocidente’ e ‘Oriente’. Para ele, esse binômio obscurece as profundas diferenças entre as culturas que estariam dentro de cada um destes polos. “Não há um só Oriente, não há um só Ocidente. Existem os orientes e os ocidentes” (Idem, p.63). Além disso, essa divisão também seria problemática na medida em que ofuscaria a interinfluência entre Ocidente e Oriente, diálogo este que existiria desde a Antiguidade greco-romana. Grotowski aponta, por exemplo, o caso da América Latina, onde, apesar de sua localização geográfica ‘ocidental’, muitas manifestações populares não poderiam ser classificadas como tipicamente ‘ocidentais’ devido as suas raízes pré-colombianas e/ou africanas. Nessa mesma perspectiva, Grotowski aponta o caso da África. Em qual classificação estariam as manifestações desse continente?E ao longo do século XX, esse ‘quadro’ vem se tornando ainda mais complexo, devido ao hibridismo cultural observável no trabalho de muitos artistas e grupos; fenômeno que foi denominado “Interculturalismo” (PAVIS, 1996; 2008) ou “Transculturalismo” (FISCHER-LICHTE, 2010).Dentro deste amplo universo de contaminação mútua, seria menos problemático e mais interessante utilizar a terminologia “linha artificial” e “linha orgânica” de Grotowski (1982 e 1997) para identificar aspectos que caracterizam as diversas e díspares manifestações culturais/estilos artísticos existentes. Abrangendo não apenas as Artes Cênicas, mas ritos de outras culturas, a linha artificial contempla manifestações/estilos artísticos fundadas em um sistema de signos codificados; já a linha orgânica, por sua vez, a ênfase não estaria nos signos codificados à priori, mas na criação da “linha da vida (...) no processo orgânico do homem” (1982, p.2-3). Como exemplos da linha artificial, aponta-se o Kathakali indiano e a Pantomima europeia; e como exemplo da linha orgânica a técnica de Stanislavski e os rituais do Vodu haitiano. Contudo, Grotowski salienta a existência de algum nível de organicidade em manifestações da linha artificial, e, vice-versa, algum nível de artificialidade em processos orgânicos. Nesse sentido, trata-se de uma conceituação que se dá por uma perspectiva transcultural, uma vez que permite reconhecer certos princípios estruturais de manifestações culturais bem distintas, certos modus operandi que transpassam as muitas singularidades regionais.O objetivo central deste trabalho é apresentar os conceitos de “linha artificial e orgânica” de Grotowski, tendo como referências as palestras dadas em 1982 (Universidade de Roma) e em 1997-1998 (Collège de France), para discutir sua articulação com o Interculturalismo e o Transculturalismo.Palavras-chave: Grotowski: Transculturalismo: Interculturalismo: Artificialidade: Organicidade.AbstractIn the article “East/West” (1993), Grotowski criticizes the world division in two parts: ‘West’ and ‘East’. According to him, this binomial overshadows the major differences between the cultures that would be within each of these poles. “There is not only one East, there isn ?t only one West. There are the Easts and the Wests” (ibid, p. 63). Moreover, this division would also be difficult as far as it would dazzle the inter-influences between West and East as the dialogue would exist since the Greek and Roman Antiquity. Grotowski points out, for instance, the case of Latin America where, besides its ‘western’ geographical location, many popular expressions, its pre-Columbian and/or African roots, could not be classified as typically ‘Western’. In the same perception, Grotowski points the case of Africa. At what categorization would be the expressions of this continent?And throughout the twentieth century, this ‘scenario’ is becoming increasingly complex due to the observable cultural hybridity in the work of many groups and artists; phenomenon such as called “Interculturalism” (PAVIS, 1996; 2008) or “Cross-Culturalism” (FISCHER-LICHTE, 2010).Within this wide universe of mutual contamination, it would be less troublesome and even more interesting to make use of the terminology “artificial line” and “organic line” of Grotowski (1982 and 1997) in order to identify aspects which marks the multiple and uneven existing cultural/styles artistic expressions. As an alternative to the binomial ‘West-East’, this conceptualization allows us to comprehend some elements that underlie and bring closer artistic manifestations/styles of distinct geographical locations without disregarding, however, the many specificities of each one.Covering not only the Performing Arts but rites from other cultures, the artificial line contemplates artistic manifestations/styles founded on a system of coded signs; since the organic line, in turn, the emphasis would not be on the codified signs a priori, but rather in creating the “life line [...] in the organic man process” (1982, p. 2-3). It could be pointed out, as examples of the artificial line, the Indian Kathakali and the western Pantomime; and as an example of the organic line, we could cite Stanislavski’s technique and the Haitian Voodoo rites. Grotowski stresses, however, the existence of some level of organicity in artificial line manifestations, and, vice versa, i.e. some level of artificiality in organic processes. In this regard, it deals with a conceptualization which is given by a cross-cultural perspective, once that it allows to recognize certain structural principles of cultural expressions well distinguished, a certain modus operandi that surpass the many regional singularities.The main objective of this paper is to present the concepts of "artificial and organic line" of Grotowski, having as reference the lectures given in 1982 (University of Rome) and in 1997-1998 (Collège de France), to discuss its relationship with the Interculturalism and Cross-Culturalism.Keywords: Grotowski: Cross-Culturalism: Interculturalismo: Artificiality: Organicity.
Author Biographies
Brisa Oliveira Vieira, Universidade Estadual de Campinas
Atriz. Bacharel e mestre pela Unicamp. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Unicamp.
Lidia Olinto do Valle, Universidade Estadual de Campinas
Graduou-se na Unirio. Mestre em Artes da Cena, doutoranda no mesmo programa.