Quando os corpos dizem não: a poética das imagens na criação de uma obra coreográfica.

Autores

  • Henrique César Hokamura Silva Instituto de Artes / UNICAMP
  • Ana Maria Rodriguez Costas Instituto de Artes/ UNICAMP

Palavras-chave:

Dança, Processo Criativo, Imagen, Levantes.

Resumo

Este artigo discorre sobre o processo criativo da pesquisa coreográfica “Quando os corpos dizem não”. O estudo teve como propósito desenvolver uma pesquisa no campo da criação em dança. O intérprete-criador desenvolveu um processo criativo a partir do diálogo entre imagense dança, tendo como escolha inicial as fotos e vídeos da exposição Levantes, com curadoria de Georges Didi-Huberman. A motivação primeira da pesquisa surgiu do interesse do proponente de entender os processos de emissão e recepção de estímulos criativos através de imagens na investigação de gestos e movimentos, e como o material coreográfico resultante pode provocar a emergência de imagens, na recepção da obra, por parte do público. Amparado inicialmente pelas pesquisas em artes de Costas (2010), Lima (2008), Lobo e Castro (2008), o desenvolvimento do projeto realizou as seguintes ações: analise e seleção de imagens da exposição Levantes; reconhecimento de como estas figuras estimulam o imaginário do pesquisador por meio de sessões de improvisação; seleção do material cênico investigado para construção de um estudo coreográfico; apresentação pública do trabalho, seguida de uma roda de conversa onde o público é convidado a contribuir expondo suas percepções. A observação das relações entre as associações imagéticas trazidas pelo público e aquelas que motivaram a criação do proponente fomentaram ainda, discussões a cerca dos fenômenos autoritários dirigidos pelo atual governo contra distintos setores da população. 

Referências

“300 obras datando de 1744 [...] até 2016, com trabalhos de pelo menos 100 artistas de diversas partes do mundo, os quais abordaram direta ou indiretamente o tema da sublevação” (WEDEKIN, 2018, p.28).

“Antes mesmo de se afirmarem como atos ou como ações, os levantes surgem dos psiquismos humanos como gestos: formas corporais” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.301).

Levantar-se é um gesto. Antes mesmo de começar e levar adiante uma “ação” voluntária e compartilhada, o levantar se faz por um simples gesto que, de repente, vem revirar a prostração que até então nos mantinha submissos. Levantar-se é jogar longe o fardo que pesava sobre nossos ombros e entravava o movimento. É quebrar certo presente e erguer os braços ao futuro que se abre. É um sinal de esperança e de resistência. É um gesto e uma emoção. No gesto do levante, cada corpo protesta por meio de todos os seus membros, cada boca se abre e exclama o não da recusa e o sim do desejo. (DIDI-HUBERMAN,2017, p. 117, grifo do autor)

“Braços se ergueram, bocas exclamaram. Agora precisamos de palavra, frases para o dizer, o cantar, o pensar, o discutir, o imprimir, o transmitir” (DIDI-HUBERMAM, 2017, p.157)

Então tudo se inflama. Tem quem veja nisso apenas o puro caos. No entanto, outros veem surgir formas de um desejo de ser livre, formas de vida em comum durante as greves. Dizer manifestamos é constatar que algo surgiu, algo decisivo. Mas foi preciso um conflito. (DIDI-HUBERMAM, 2017, p.207)

“Mas a força sobrevive ao poder. Freud dizia que o desejo é indestrutível. Mesmo quem sabe estar condenado– nos campos de concentração, nas prisões– busca meios de transmitir um depoimento, um apelo.” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.255).

“um pôr-se de pé junto a outros contra uma forma de poder; se mostrar e se fazer ouvir onde é proibido se mostrar e se fazer ouvir” (BUTLER, 2017, p.25).

“um manifesto, um escrito, uma inscrição, uma mensagem, um símbolo, uma bandeira; um simples aperto de mão para perguntar ou aprovar; ou ainda o punho fechado: são palavras”. (NEGRI, 2017, p. 45)

“Uma raiva impetuosa nos arranca do chão, mesmo que pague um preço tão jubiloso quanto perigoso, o preço do incontrolável” (MONDZAIN, 2017, p.51).

“Levantamento rima com acontecimento, mas parece hesitar, talvez negociar, entre o movimento contínuo que ‘desloca as linhas’ em direção às alturas, sem brutalidade nem ruptura, e a força eruptiva do salto que assume os riscos da vertigem e da queda” (MONDZAIN, 2017p. 53, grifo da autora).

Estamos vivendo um período de relaxamento generalizado de mentes e corpos? Talvez. Frente ao sono político que entorpece todas as faculdades do sonho [...]. Digo “levante” e tenho a impressão de ouvir um rumor distante, tão distante que não sei bem se é retorno jubiloso de uma velhíssima lembrança ou o último murmúrio de uma voz que se afasta e vai se apagando para nunca mais voltar (MONDZAIN, 2017, p. 48, grifo da autora).

Não se trata certamente de ressuscitar, mas de triunfar sobre o peso e a gravidade de tudo o que barra a orça e a leveza dos corpos livres, vivos, pensantes e desejantes que dançam. [...] à mesma distância do caos e da queda, o que se levanta se eleva entre aquilo de que nos desligamos e aquilo a que queremos nos ligar. (MONDZAIN, 2017, p.49)

Os governos e a mídia às vezes chamam o que veem de “manifestação”, acreditando se tratar de uma situação temporária, ou de “motim”, percebendo apenas uma ação caótica e sem reivindicações claras, ou, ainda, de “atentado à segurança do Estado”, o que justifica mais facilmente a intervenção da polícia e do exército com violência, averiguações de identidade, prisões e manobras e dispersão com o uso da força. Nesse caso, envolvidos em levantes não são vistos como cidadãos expressando uma vontade popular: são vistos antes como uma “população” que deve ser contida e controlada. (BUTLER, 2017, p.29, grifos da autora)

O aparelho policial e carcerário sempre está implicitamente presente num levante. O poder policial espera o povo na fronteira espacial ou no limite temporal de um levante, garantindo que a decorrência do fenômeno se mantenha pontual tanto em termos de tempo como espaço, na tentativa de conter os efeitos de transmissão e contágio. Quando a polícia se junta à multidão ou baixa as armas, o levante está em vias de se tornar revolução. É algo que raramente ocorre. (BUTLER, 2017, p. 29)

“O espectador reage às provocações da obra: confere sentido às coisas, completando espaços vazios. A partir da percepção física da obra (a apreensão pelos sentidos) o espectador atribui valor a ela (o sentido)”. É no corpo do espectador, e não no corpo do atuante, que a dramaturgia de ator se completa”. (OKAMOTO, 2010, p. 57- 58, grifo do autor)

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Publicado

30-05-2020

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