MARIA E EU – O TECER DE UMA DRAMATURGIA CORPORAL

Autores

  • Flávia Cristina Honorato dos Santos Universidade Federal de Goiás
  • Renata de Lima Silva

Palavras-chave:

Corpo. Memória. Performance negra. Processo de criação. Teatro

Resumo

Neste trabalho  propõe-se discutir o processo de criação do espetáculo Por Cima do Mar eu Vim, realizada pelo Núcleo Coletivo 22 (GO), sobretudo no que se refere a construção da personagem Maria.  O espetáculo cênico-musical é constituído de duas partes: a primeira, em geral realizada em um espaço externo, é contada a história de Nzinga Mbandi, uma rainha africana que, em meados do século XVII, reinou em alguns territórios pertencentes ao que hoje conhecemos como Angola, tendo permanecido 40 anos no poder;  a segunda parte, por sua vez, aborda a maneira com que a contribuição africana impacta sobre a religiosidade brasileira, trazendo a baila figuras arquetípicas da realidade e do imaginário afro-brasileiro, tais como Seu Zé Pelintra, Dona Maria Navalha (uma Pomba Gira), um casal de Pretos Velhos e um Caboclo. O mar, na condição de Kalunga Grande, simboliza o elo entre as duas partes do espetáculo, de modo metaforizando as ligações entre a vida e a morte, o material e o espiritual, África e Brasil, passado e presente. Neste contexto o processo de construção da personagem Maria, baseada na Pomba-gira Maria Navalha, se deu por meio de uma construção de dramaturgia corporal que perpassou desde a pesquisa de campo em terreiro de umbanda, a práticas corporais de marcada identidade negra, por exemplo, capoeira angola, alguns sambas de umbigada (jongo, batuque, tambor de crioula). A construção de uma dramaturgia corporal demanda que o intérprete-criador invista em descobrir, incorporar e explorar uma gestualidade que transborde o seu cotidiano – e quando isso está relacionado a um contexto ritualístico e afro-brasileiro, exige ainda um cuidado para não se escolher o caminho da “tipificação”, isto é, de formas estereotipadas que, ao invés de revelar saberes e poéticas ignorados ou marginalizados, podem reforçar estigmas e preconceitos. Destarte, a dramaturgia corporal da personagem Maria foi construída a partir dos procedimentos elegidos, capazes de restaurar, de forma dinâmica, tanto memórias da vivência em campo como os próprios sentidos e percepções da atriz sobre sensualidade, dor, paixão e o ser mulher.

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Publicado

10-05-2018

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